As Palavras!

17.2.11.


As palavras são boas. As palavras são más. As
Palavras ofendem. As palavras pedem desculpas.
As palavras queimam. As palavras acariciam.
As palavras são dadas, trocadas, oferecidas,
Vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam...
As palavras aconselham, sugerem, insinuam,
Ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas
Ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas
Com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios
De palavras que vivem em boa paz com as suas
Contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o
Contrário do que pensam, julgando pensar o
Que fazem. Há muitas palavras. E há os
Discursos, que são palavras encostadas
Umas às outras, em equilíbrio instável graças
A uma precária sintaxe, até ao prego final do
Disse ou tenho dito. Com discursos se comemora,
Se inaugura, se abrem e fecham sessões, se
Lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas
De veludo. São brindes, orações, palestras e
Conferências. Pelos discursos se transmitem
Louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E
Depois as palavras dos discursos aparecem deitadas
Em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por
Essa via entram na imortalidade do verbo. E as palavras
Escorrem tão fluidas como o
"precioso líquido". Escorrem interminavelmente,
Alagam o chão, sobem aos joelhos,
Chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço.
É o dilúvio universal, um coro desafinado
Que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu
Caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos,
Aos uivos, envoltos também num murmúrio manso,
Represo e conciliador... E tudo isso atordoa as estrelas
E perturba as comunicações, como as tempestades
Solares. Porque as palavras deixaram de comunicar.
Cada palavra é dita para que se não ouça outra
Palavra. A palavra, mesmo quando não afirma,
Afirma-se. A palavra não responde nem pergunta:
Amassa. A palavra é a erva fresca e verde
Que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira
Nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra.
A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar
As palavras para que a sementeira se mude em
Seara. Daí que as palavras sejam instrumento
De morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha
O que valer o silêncio do ato. Há também o silêncio.
O silêncio, por definição, é o que não se ouve.
O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa.
O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil,
O húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar.
Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras.
As palavras boas e as más. O trigo e o joio.
Mas só o trigo dá pão.
José Saramago

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